Se a coruja quiser, ela que mude de nome

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Se a coruja quiser, ela que mude de nome

Inspirado na ave Caburé, o prêmio Caboré chega aos 40 anos restrito a poucas categorias e tão cobiçado quanto nos primórdios


8 de novembro de 2019 - 17h38

Salles Neto: “O Caboré conseguiu quebrar as amarras entre profissionais que competem entre si durante o ano e virou uma celebração dessas pessoas”. (Crédito: Denise Tadei)

Como atravessar 40 anos e continuar a ser relevante, objeto de desejo e selo de reconhecimento do mercado? Essa é a definição do prêmio Caboré, criado pelo presidente do Grupo Meio & Mensagem, Salles Neto, em 1980, que chega este ano à 40a edição. O curioso da história é que o nome da ave que inspirou o troféu é Caburé, e não Caboré. A ideia surgiu durante uma visita ao então presidente da J. Walter Thompson, Renato Castelo Branco, considerado um dos fundadores da publicidade brasileira. Salles Neto observou, no escritório de Castelo Branco, uma série de pequenas corujas e questionou o publicitário. As corujas da Thompson eram homenagens da agência a profissionais que se destacavam durante o ano. E o simbolismo era pelo fato de a ave ser um animal que está sempre atento ao habitat, que avisa sobre acontecimentos aos demais, e também por se destacar como líder do ecossistema. Esse era o gancho da coruja da Thompson.

Mas, antes da coruja, Salles Neto já havia imaginado a estrutura do prêmio (até então sem nome), que teria por missão homenagear profissionais e empresas que colaborassem com o desenvolvimento, profissionalização e ética do setor. “Vejo o prêmio Caboré muito mais como uma homenagem, de revelar publicamente as pessoas que fazem a diferença. E foi daí que veio a ideia de fazer o prêmio. O princípio nasceu do Oscar: é um grupo que avalia filmes, atores e produção e decide por três nomes que acreditam que são os melhores. Dentro da mesma tese, comecei a desenhar o que seria o Caboré. Definir as categorias e como eu faria a primeira etapa. Na segunda etapa, eu já sabia que a votação seria feita pelos assinantes do Meio & Mensagem. Decidi montar um grupo de pessoas que acompanhavam o mercado para me indicarem três nomes de cada categoria. Esses nomes viriam até mim e, juntamente com os editores do Meio & Mensagem, definiríamos os três indicados por categoria. Depois disso, a votação do vencedor seria feita pelos leitores do jornal”, detalha.

Estabelecidas as premissas, as indicações e categorias, Salles Neto resgatou as corujas vistas na Thompson, que tinham permanecido na sua memória como símbolo do prêmio, e foi ao artista cearense Aldemir Martins com a ideia na cabeça. Nos anos 1980, Martins já tinha grande expressão no Brasil e no exterior e, além de escultor, era também pintor e ilustrador. Salles Neto explicou-lhe o que tinha em mente e fez a encomenda. Queria que o troféu fosse uma coruja. “Quando ele me avisou que estava pronto, fui lá e ele me disse: ‘Fiz essa coruja, tendo como modelo uma coruja típica do Nordeste conhecida como Caboré.’ Perguntei: ‘É típica do Nordeste?’ Ele: ‘É. É uma coruja brasileira.’ Perguntei duas ou três vezes: ‘Chama Caboré?.’ ‘Sim,’ me respondeu. Fiquei com aquele Caboré na cabeça pensando que era um nome forte. E pensei que se o troféu era uma coruja fazia sentido chamar de Caboré o prêmio. Uma coisa ligada à outra. E assim foi feito”, recorda.

Salles Neto lembra-se também de que em 1980, ano em que foi instituído o Caboré, o Grupo Meio & Mensagem tinha cerca de dois anos e era uma empresa pequena na qual ele mesmo se desdobrava para fazer tudo ao mesmo tempo: “Eu fazia de tudo: era o mestre de cerimônias, o garçom, entregava prêmio, fazia qualquer coisa. No primeiro ano, foi um lugar simples, todo mundo num auditório do Sesc. Foram apenas umas cadeiras que coloquei no palco. Estavam lá Julio Ribeiro, Roberto Duailibi, Petrônio Corrêa. Imagine o quão nervoso eu estava por fazer a entrega de um prêmio para esses caras que eram os papas do mercado.”

E foi neste contexto solene, inédito e de grande expectativa, para Salles Neto, principalmente, que, na entrega do prêmio para a categoria Profissional de Pesquisa, a vencedora, Ilda Wickerhauser, foi receber o troféu e, ao microfone, agradeceu e disse: “Quando recebi a indicação, fui saber o que era Caboré porque eu não sabia. E descobri que é uma coruja típica do Nordeste. Só que eu queria falar para o Salles Neto que a coruja não chama Caboré, e sim Caburé, com ‘u’”. Salles Neto tomou o microfone, apontou para Aldemir Martins, que estava na primeira fila, e explicou que o troféu havia sido feito pelo artista, que lhe dissera que a coruja chamava Caboré. E disse: “Não fui pesquisar, acreditei nele. Então, quero dizer o seguinte: o meu prêmio vai se chamar Caboré. Se a coruja quiser, ela que mude o nome dela porque eu é que não vou mudar. Vai se chamar Caboré. Ponto!” E Caboré tem sido por 40 anos. Quando se lembra do episódio, Salles Neto acha engraçado. Mas o momento é simbólico mais pela confusão do nome do que pela continuidade com que se desenvolveu ao longo das quatro décadas. Todos os principais nomes do mercado, desde 1980, têm sido agraciados com o Caboré.

Essa longevidade tem se mantido consistentemente: em 1980, eram dez categorias. Agora, são 14. E, nesses 40 anos, a coruja teve apenas duas versões: a criada por Aldemir Martins em 1980 e a atual, repaginada pela artista plástica Regina Athayde em 1992. “Agora, não dá nem para mudar mais porque ficou inconfundível”, diz Salles Neto. Já a gaiola surgiu de uma das campanhas publicitárias do próprio prêmio. “Baseados na campanha, resolvemos adotar a gaiola como um símbolo do Caboré para avisar as pessoas que são indicadas ao prêmio. Ou seja, fazer dela um instrumento que, quando chega, as pessoas já sabem que tem alguém indicado, seja agência, profissional ou marca. Virou um símbolo importante do Caboré. Era para ser apenas daquele ano porque estava ligada àquela campanha específica. Mas ficou indissociável do Caboré”, afirma Salles Neto.

O presidente do Grupo M&M diz que, desde o princípio, o prêmio, para ser importante e relevante, tinha que ter um volume pequeno de ganhadores. “Se você premia um número grande de pessoas, perde o valor porque todo mundo ganha, todo mundo tem. O gostoso é ganhar aquilo que ninguém tem ou é difícil de alcançar. Para isso, tem que ter um número reduzido de categorias, que é para poder tornar esse objeto desejável. Esse foco de não crescer em categorias é muito importante”. O Caboré é o prêmio mais importante de comunicação, marketing e mídia. E, em outra simbologia, é o evento dessa indústria que encerra o ano. “O Caboré conseguiu quebrar as amarras entre profissionais que competem entre si durante o ano e virou uma celebração dessas pessoas”.

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